Dircurso proferido por Guimarães Rosa em agradecimento ao premio concedido pela Academia Brasileira de Letras, ao livro de poesia Magma.
O poeta não cita: canta.Não se traça programas,porque a sua estrada não tem marcos nem destino.Se repete, são idéias e imagens que volvem à tona por poder próprio, pois que entre elas há também uma sobrevivência do mais apto . Não se aliena, como um lunático , das agitações coletivas e contemporâneas, porque arte e vida são planos não superpostos mas interpenetrados, com o ar entranhado nas massas de água, indispensável ao peixe—neste caso ao homem, que vive a vida e que respira arte. Mas tal contribuição para o meio humano será a de um órgão para um organismo: instintiva, sem a consciência de uma intenção, automática , discreta e subterrânea.
Com um fosso fundo ao redor de sua turris ebúrnea, deixa a outros o trabalho de verificarem de quem recebeu informações ou influências e a quem poderá ou não influenciar.
E o incontentamento é o seu clima, porque o artista não passa de um místico retardado , sempre a meia jornada. Falta-lhe o repouso do sétimo dia. Não tem o direito de se voltar para o já-feito , ainda que mais nada tenha por fazer.
A satisfação proporcionada pela obra de arte àquele que a revela é dolorosamente efêmera : relampeja, fugaz, nos momentos de febre inspiradora, quando ele tateia formas novas para exteriorização do seu magma íntimo, do seu mundo interior. Uma tortura crescente, o intervalo de um rapto e um quase arrependimento. Pinta a sua tela , cega-se para ela e passa adiante. Se a surdes de Beethoven tivesse lhe trazido a infecundidade, seria um símbolo. Obra escrita—obra já lida---obra repudiada: trabalhar em comeias opacas e largar o enxame ao seu destino, mera ventura de brisas e de asas.
Tudo isto aqui vem tão somente para exaltar a importância que reconheço ao estimulo que me outorgastes. Grande, inesquecível incentivo. O Magma, aqui dentro, reagiu, tomou vida própria, individualizou-se , libertou-se do seu desamor e se fez criatura autônoma , com quem talvez eu já não esteja muito de acordo ,mas a quem a vossa consagração me força a respeitar. Sou-lhe grato, principalmente, pelo privilégio que me obteve de poder --- sem demasiadas ilusões, mas reverente--- levantar a voz neste recinto, como um menino que depõe o seu brinquedo na superfície translúcida de uma água , para a qual a serenidade não é a estagnação, e cujo brilho da face viva nada rouba à projeção poderosa da profundidade.(...)
(Revista da academia brasileira de letras, anais de 1937, ano 29,vol 53, p.261 a 263)
http://www.revista.agulha.nom.br/guimaraesrosa.html#poemas
.
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário