quarta-feira, 10 de junho de 2009

Ver não é coisa natural



Não digam nunca: Isso é natural!

A fim de que nada passe por ser imutável.
Bertolt Brecht


Outro dia um aluno da 1ª série do Ensino Médio produzira um texto que me surpreendeu: escreveu que houve um tempo em que bastava os pais olharem para o filho a fim de que esse entendesse a crítica a seu comportamento e mudasse de atitude. De fato, lembro-me da história do Ademir - um jovem com quem eu trocava revistas de super-heróis em Retiro do Muriaé da década de 1970. Naquele tempo de futebol amador, a gente acompanhava os times na carroceria do caminhão do seu Paulo. O “Dênis” estava lá, mas antes do carro sair, seu pai - um senhor às antigas - chamou o moleque no meio dos colegas: _ Dêni, desce! Cê não encheu a taia e num barreu o terrero, desce.

Não teve jeito. Ele desceu. Não havia espaço e nem tempo para questionar a decisão do pai. Era uma ordem que emanava de uma autoridade, simplesmente. Os companheiros, mãos à boca, contínhamos o riso e o escárnio até que o senhor Saturnino se afastasse levando o rapazinho sorumbático.

O psicologismo, na esteira da (re?)democratização do país, bateu forte contra o que chamou de autoritarismo patriarcal. Entretanto, naquele tempo, não havia pai ou mãe que não soubesse exatamente o que fazer com os filhos, como educá-los, impor-lhes LIMITE.

Hoje encontro dezenas de responsáveis que não conseguem educar crianças e adolescentes. Alguns acham isso muito natural: _ É a evolução, dizem.

Particularmente, penso que aí há mais de banalização da autoridade e de regurgitação da desobediência. Parece que os filhos estão ficando cegos e surdos. A meninada, primeiro, ficou cega: o olhar dos pais já não diz nada, porque essa atitude demanda tempo e sensibilidade de lado a lado e parece que agora já ninguém olha nos olhos de ninguém. Depois as crianças ficaram surdas: Os pais falam - alguns decibéis acima -, mas acho que entra num ouvido e sai pelo outro. Isto quando não estão entupidos com os fones de seus MP3, MP4, celulares etc. Está havendo uma revolução na relação entre pais e filhos. Os resultados podem ser constatados, porém a análise do fenômeno não é nem um pouquinho simples. De toda sorte, não deve ser à toa que venho ouvindo, cada vez mais, pessoas se lembrarem de como foram educadas pelo olhar dos pais. Aliás, o professor Rubem Alves sempre disse que “O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. A primeira tarefa da Educação é ensinar a ver...”.

O ano letivo finalmente começou. Com ele os pais entregam uma cota-parte da tarefa de educar à Escola. Ainda que muitos responsáveis coloquem seus filhos na escola para brincarem; para serem alfabetizados; para aprenderem uma profissão; para fazerem o vestibular; para não serem importunados pelo Conselho Tutelar; para ganharem bolsa família; para ocuparem a criança; para se livrarem dela... a tradição diz que a escola EDUCA.

Não me canso de acreditar que a Escola é melhor do que a Sociedade. Senão, que possibilidades teríamos de melhorar as relações humanas? Muitos críticos da Escola terão uma vasta lista de seus defeitos e mazelas, mas sempre se esquecem de quantas crianças a escola vem salvando de suas famílias. Faz-se isso apesar dos (des)governos.

Aliás, sabemos que a “política” costuma impor uma pedagogia ziguezagueante à escola. Cada governo acha que pode jogar fora todo um trabalho educacional por mera opção “ideológica”. A educação que temos hoje no Brasil, com toda a crítica que se possa fazer, não é projeto de um ou outro governo. Ela vem sendo construída pelos profissionais, educadores que têm dado suas vidas pela crença de que a escola pode educar.

Em geral, os administradores que assumem um mandato, em qualquer esfera, não têm um projeto educacional partidário nem pessoal; têm, às vezes, intenções. É por isso que devem ter a delicadeza de ouvir e ver as pessoas e a realidade. Fico muito triste, e às vezes raivoso, de ver políticos fazendo ingerências na Educação simplesmente por vingança, por perseguição, por clientelismo, por fisiologismo... Em quase 100% das vezes não discutem competência; se vergam à contingência dos favores, das promessas e das dívidas eleitorais.

Também sou a favor de mudanças. Elas seriam necessárias se não fossem inexoráveis. Mas toda mudança deve ser uma construção, principalmente em se tratando da educação pública. Em agosto do ano passado escrevi aqui, em relação ao Ideb de Itaperuna, que “A rede municipal de ensino apresentou números razoáveis que podem ser melhorados. Nas séries iniciais avançamos de 4,6 para 5,0; entretanto, regredimos de 4,5 para 4,3 nas finais. Nosso entendimento é que o maior esforço - leia-se investimento - deve ainda estar concentrado na educação infantil, como já vem sendo feito.”. Portanto, isso é um legado e não despojos.

A nova SEMED precisa levar em conta muitas coisas antes de se arriscar na exacerbada politização dos cargos nas escolas. O governo do Estado do Rio tem investido fortemente na formação dos gestores da sua rede de ensino. Mesmo que esses sejam eleitos pela comunidade escolar, o Estado os trata antes como servidores. Não estou sugerindo eleições nas escolas municipais; apregoo que seu corpo docente seja tratado como servidores públicos, que têm direitos e de quem podemos cobrar deveres e resultados.

Itaperuna vive a síndrome da Educação Colonial: achamo-nos muito importantes, porque temos várias universidades, com múltiplos cursos para todos os gostos e desgostos. Contudo, é preciso que nos lembremos de que mais importante que isso é a Educação Básica. Se esta não for de qualidade, a Educação Superior capenga. Caso não cuidemos de educar nossas crianças e jovens, tempos virão - e eles já estão aí - em que o MEC, que não é cego e nem surdo, se verá na contingência de proibir vestibulares e fechar cursos. Pois se a escola faz o aluno, o aluno faz a escola. Só não vê quem é cego.

Publicado na REVISTA ESTILO OFF em março de 2009.

Professor Zeluiz

Centro Interescolar de Agropecuária de Itaperuna

azeluiz@oi.com.br


A REVISTA ESTILO OFF comemora neste mês o seu aniversário de 3 anos! Parabéns a toda a equipe e muitos e muitos anos de vida!!!!! Outra Revista


Um comentário:

ZELUIZ disse...

Valeu, pessoal. Obrigado por destacarem minha crônica nos parabéns aos 3 anos da Estilo OFF.
O blog Outra Revista é muito bacana mesmo.