quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O caminho de casa


Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo.

O caminho de casa

Em curtos espaços, estes pés desenham um caminho seguindo entre ruas e avenidas. Observam fortes indícios da civilização nos montes de carros, e cheiros escassos do perfume sem dono esquecido na atmosfera tão enormemente pequena entre eu, você, e esse perfume barato esquecido numa esquina do universo. Ou nessa esquina de um universo, como queira. Faz tempo e percebi seu jeito inconteste de me reivindicar deixando vestígios onde pensa que minha imaginação possa pensar você. E sempre sabe. Os lugares certos de me encontrar, você descobriu meus sinais antes do meu franzir de testas te afirmar minha entrega a esse seu, confesso, extremo dom de iludir, como diria Caetano.
Sei disso, sei disso, nada é exatamente aquilo que pretende aparentar, e a gente ensaia as milhões de mortes que antecedem a nossa num desespero inocente de preparo pr’esse inescapável fim-das-coisas. Onde somos finitos pedaços da infinita parte eterna dessa chamada - você dizia, eu me lembro bem - corrente do bem. A gente bebe umas doses e vai esquecendo do doer constante que é estar vivo pra morrer. Crescer pelo outro lado - o de dentro, lembra? – fazendo a nossa parte mudar no outro o nosso erro, e porque não nosso acerto, e assim sucessivamente até o dia em que seremos nada mais que uma grandessíssima redoma em ciclo como os símbolos de reutilizável nas campanhas de reciclagem. É isso: a vida é reciclável! Daria um bom slogan nisso que nomeamos para uso pessoal de “estar-no-mundo”.
Brincava pelo caminho de casa dizendo coisas tão profundas que até então não havia descoberto pelo meu jeito distante de existir e me encantava com a propriedade de quem falava do que era grande e pequeno nesse universo tratando-os com a mesma importância e seriedade. Ela traz uma taça e te oferece o vinho mais vermelho que sangue pra brindar a forte presença que está no lugar onde não se queria estar. Estamos. Ah! pequeno grande coração... como eu queria que você não se ofendesse com essas palavras teimando em dizer o que não se deve racionalizar. Elas nos ultrajam, você não acha? Quisera eu ter os mil anos depois da vida em que te conheci e não pensar. Não pensar nas horas que depois se sucederiam, nesse correr louco dos minutos ansiando o fim do que a gente não sabe o que é, nem a que se destina mas fica por aí onde nos foi ensinado estar. As amenidades que dizíamos nos ajudaram a colocar as idéias em ordem dentro do baú que guardamos os brinquedos que outrora foi nossa infância mais vivida.
E eu não estou condicionado, o vidro embaça por onde sopram alguns bocejos do que podemos tirar que a ação-reação é uma assertiva válida e portanto nada está por que está, mas por que foi iniciado de algum modo, você me entende? Acho que não, é complicado mesmo filosofar sem entender um alemão básico pra legitimar essas teorias sem fim. Aprendo naquilo que vivo e vivo do que aprendido está. Vê como são voltas e mais voltas em círculo sobre um mesmo terminar inesgotável? A fonte não seca, pequeno grande coração, ela molha repetidamente os mesmos lugares sem nunca conseguir definir o que quer possuir. Mas deixa estar, deixa estar que eu já já me levanto e a gente pode voltar pr`um lugar comum onde nos identifiquemos pertencidos. Até pensar estarmos imunes de qualquer coisa que tenha posto nossas asas pra se abrir no abismo em que se jogam as coisas terminadas. A casa sempre ignora o caminho mas a gente quando chega na porta e une forças pra bater e ser atendido, busca um abrigo que nos permita limpar os pés tão pesados do caminhar.
Os pés não pensariam cansar tanto no carregar das nossas horas, mas estávamos lá... eu, você e esse perfume barato esquecido numa esquina do universo. Ou nessa esquina de um universo, como queira.


Renato Gama de Lima.

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