terça-feira, 21 de abril de 2009

Romanceiro da Inconfidência


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ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA



Fala Inicial

Não posso mover meus passos
Por esse atroz labirinto
De esquecimento e cegueira
Em que amores e ódios vão:
- pois sinto bater os sinos,
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
- avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
- descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.

Ó meio-dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem condena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
Cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados ...
- liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
Na mesma cova, as palavras,
e o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentiras e verdade estão.
Não choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta nossa aflição.
Choraremos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e de exaltação.
Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão!

Bandeira da Inconfidência
Através de grossas portas sentem-se luzes acesas
e há indagações minuciosas dentro das casas fronteiras
olhos colados aos vidros, mulheres e homens à espreita
caras disformes de insônia vigiando as ações alheias
(...)atrás de portas fechadas à luz de velas acesas
uns sugerem, uns recusam, uns ouvem, uns aconselham
se a derrama for lançada há levante com certeza
corre-se por essas ruas, corta-se alguma cabeça
no simo de alguma escada profere-se alguma arenga
que bandeira se desdobra?
com que figura ou legenda?
da maçonaria, do paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade, um gênio a quebrar algemas? Atrás de portas fechadas à luz de velas acesas entre sigilo e espionagem acontece a Inconfidência
e diz o Vigário ao poeta "escreva-me aquela letra do versinho de Virgílio"
e dá-lhe o papel e a pena. E diz o poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
"Tenha meus dedos cortados antes que tal verso escrevam" Liberdade, ainda que tarde, ouve-se em redor da mesa e a bandeira já está viva e sobe na noite imensa
e seus tristes interventores já são réus, pois se atreveram a falar em liberdade,
que ninguém sabe o que seja através de grossas portas
sentem-se luzes acesas,e há indagações minuciosas dentro das casas fronteiras
Que estão fazendo tão tarde, que escrevem, conversam,pensam
mostram livros proibidos? lêem notícias nas gavetas?
terão recebido cartas de potências estrangeiras? Antigüidades de Minas,em Vila Rica suspensas
Cavalo de Lafaiete saltando vastas fronteiras
Oh, vitória, sestas, flores das lutas da Independência
Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda
e a vizinhança não dorme, murmura, imagina, inventa,não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença...

(Cecília Meireles)


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