domingo, 1 de fevereiro de 2009

As enchentes de minha infância

( Rio Itapemirim)

Sim, nossa casa era muito bonita, verde, com uma tamareira junto à varanda, mas eu inveja-
va os que moravam do outro lado da rua, onde as casas dão fundos para o rio. Como a casa
dos Martins, como a casa dos Leão, que depois foi dos Medeiros, depois de nossa tia, casa
com varanda fresquinha dando para o rio.
Quando começavam as chuvas a gente ia toda manhã lá no quintal deles ver até onde chega-
ra a enchente. As águas barrentas subiam primeiro até a altura da cerca dos fundos, depois
às bananeiras, vinham subindo o quintal, entravam pelo porão. Mais de uma vez, no meio da
noite, o volume do rio cresceu tanto que a família defronte teve medo.
Então vinham todos dormir em nossa casa. Isso para nós era uma festa, aquela faina de
arrumar camas nas salas, aquela intimidade improvisada e alegre. Parecia que as pessoas
ficavam todas contentes ,riam muito;como se fazia café e se tomava café tarde da noite! E `as vezes o rio atravessava a rua, entrava pelo nosso porão, e me lembro que nós, os meninos, torcíamos para ele subir mais e mais.Sim ,éramos a favor da enchente, ficávamos tristes de manhãzinha quando, mal saltando da cama, íamos correndo para ver que o rio baixara um palmo – aquilo era uma traição, uma fraqueza do Itapemirim. Às vezes chegava alguém a cavalo, dizia que lá, para cima do Castelo, tinha caído chuva muita, anunciava águas nas cabeceiras, então dormíamos sonhando que a enchente ia outra vez crescer, queríamos sempre que aquela fosse a maior de todas as enchentes.


Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana. 3. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Do Autor, 1962. P. 157
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