quarta-feira, 22 de junho de 2011

"Oficina de Música" na Semana Acadêmica na FAETEC - por Adler Tatagiba



Este texto foi apresentado no dia 14/06 dentro da programação da "Oficina de Música" na Semana Acadêmica, para cerca de 30 alunos do curso de Pedagogia do INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE ITAPERUNA (ISEI) - FUNDAÇÃO DE APOIO À ESCOLA TÉCNICA (FAETEC)


Um dia, recebi um cartão que dizia: “Mr. Schafer. Tenho oito anos. Minha professora tocou sua música na aula. Eu gostei. Seu amigo Eduardo”.

“A Orquestra mágica de Edward” foi escrita para Edward e para todas as crianças.

A ORQUESTRA MÁGICA DE EDUARDO (Murray Schafer)
Adaptação: Adler Tatagiba (Mestrando em Música / UFRJ)

_ “Hoje, vamos aprender a respeito da orquestra”, disse a professora de Eduardo, e algumas crianças – as que se interessavam por música – endireitaram-se na cadeira.


_ “Em primeiro lugar, vem a flauta”, disse a professora, que se chamava Simone [1]. E sem dizer mais nada ligou o aparelho de som e toda a sala foi imediatamente inundada pelos sons fluentes da flauta:


...


Foi assim que a flauta soou.
Simone interrompeu a gravação e perguntou à classe com o que a flauta se parecia.
_ “Passarinhos”, disse Elaine, a primeira a levantar as mãos.
Várias crianças deram sua opinião.
Simone perguntou a Eduardo com o que a flauta se parecia. Houve uma longa pausa.

...

Então:
_ “Um cachorro caçando um gato?”, perguntou Eduardo, não muito seguro de si. Todos riram.
“Bem... disse a professora Simone, esta é uma resposta original”. Mas ela não sabia mais o que dizer e, desse modo, voltou ao aparelho de som e continuou: “Agora, vamos ouvir a clarineta”:

...

Foi assim que a clarineta soou.
Eduardo tentou ouvir, mas ele estava achando muito difícil. E, na hora em que o terceiro instrumento foi apresentado, ele já estava com muito sono.
Era o violino, e o suave arqueado de seus sons o deixaram realmente com muito sono.

...

Cantou o violino.
Eduardo ficou sentado com os olhos meio fechados, sonhando acordado.
Em seu sonho, ele se viu num grande campo. Era noite, mas ele não estava com medo. Nem mesmo quando viu um velhinho de pé, logo a sua frente. À medida que se aproximava, pôde ver, sob o luar, que o velhinho estava com os olhos fechados. Sua cabeça estava levemente inclinada para o lado, como se estivesse ouvindo alguma coisa. Mas isso não era possível, porque não havia nada para se ouvir. Nada se movia. Ainda assim, quando Eduardo se aproximou, o homem, que tinha um jeito bondoso, inclinou-se para ele e disse:


_ “Você está ouvindo?”.
_ “Ouvindo o quê?”, disse Eduardo.
_ “Chhh”, disse o homem. “Ouça... as estrelas estão se banhando n’água.”
Eduardo tentou escutar, mas não pôde ouvir nada...

_ “Está desaparecendo agora”, disse o homem.
_ “Eu não ouvi nada”, disse Eduardo.

_ “Você precisa estar no lugar certo e na hora certa. Antes de tudo precisa encontrar o LUGAR DE OUVIR.” (Ele pronunciou essas palavras muito claramente, e é por isso que as escreveu com letras maiúsculas, justifica Schafer). “E você precisa saber como trazer esses sons para perto, de modo que consiga ouvi-los.”


_ “Onde é o lugar de ouvir?”, perguntou Eduardo.
_ “Isso depende”, disse o homem. “Talvez em seu quarto, logo antes de dormir. Esse é um bom lugar para começar. Ó meu Deus,” disse de repente, “tenho que ir! Ouça aquele trovão!”. E num instante já havia desaparecido, deixando Eduardo sozinho no campo. Eduardo conseguiu ouvir o trovão muito bem, e, de repente, o trovão parecia estar dizendo o seu nome, com sons muito fortes e claros.


_ “Eduardo”... “Eduardo”...


A professora Simone estava dizendo, muito firmemente: “Eduardo... você não gosta do violino?”.E subitamente Eduardo percebeu que estivera sonhando acordado.
Toda a classe estava olhando para ele.


_ “Você não gosta do violino?”, repetiu a professora.
_ “Eu... estava procurando ouvir outro som”, começou a dizer devagar.
_ “Que som querido?”, perguntou Simone. Ela parecia realmente curiosa.
Mas como ele poderia explicar seu sonho? Então ele ficou sentado, sem dizer nada.
_ “Que som você estava procurando?”. Insistiu Simone de um modo tão carinhoso que Eduardo não sentiu qualquer dificuldade em responder.
_ “O som das estrelas banhando-se n’ água.” E antes que a classe pudesse rir continuou:_ “Eu vi aquele homenzinho, que disse que eu podia ouvir esse som, e ele me mostrou que poderia escutá-lo profundamente”.


Aí a professora Simone disse uma coisa que surpreendeu a todos, inclusive a ela mesma. “Vamos todos tentar ouvir o som”, disse. Todos tentaram.
Houve um grande silêncio, que durou muito tempo.

... ... ...

Mas quando Simone perguntou se alguém havia ouvido o som, ninguém conseguira. Foi então que Eduardo se lembrou do que o homenzinho dissera a respeito do LUGAR DE OUVIR e, então, contou à classe.


_ “Talvez esse não seja o melhor LUGAR DE OUVIR”, disse Simone; e, então, ela pediu para que todos tentassem encontrar o lugar certo em casa, naquela noite e no dia seguinte, ao vir para a escola, contassem às outras crianças o que haviam ouvido.


Eduardo estava realmente excitado em casa. Durante todo o tempo, tentou concentrar-se e ouvir o som das estrelas banhando-se n’água. Assim que escureceu, foi para o quintal. As estrelas estavam lá (ou, ao menos, podia ver algumas delas), mas tudo o que conseguiu ouvir foi o som de carros e ônibus que passavam pela rua e, mais ao longe, o som de sinos.


Quando voltou para dentro de casa, pôde ouvir muitos outros sons: o zumbido da geladeira, sua mãe lavando a louça, a televisão – que quase sempre estava ligada, mesmo quando não havia ninguém assistindo. Mas não havia nada de extraordinário nesses sons. Então ele lembrou de que o homem havia dito que um bom LUGAR DE OUVIR poderia ser o próprio quarto. E, quando sua mãe lhe disse que estava na hora de ir para a cama, ficou realmente contente de, afinal, estar sozinho no quarto, onde era mais silencioso, e poderia tentar novamente.


Eduardo estava bastante consciente de todos os sons que fazia enquanto se arrumava para ir para a cama; quando puxou os lençóis para se cobrir e eles farfalharam secamente, percebeu que nunca, realmente, ouvira esses barulhos.


Então, ficou ali deitado, muito quieto, e começou a se concentrar.Nada. Somente os sons abafados da conversa de seus pais, lá em baixo, na sala.Ele apelou para todas as suas forças e concentrou-se no som que queria ouvir – as estrelas banhando-se n’ água. Inspirando profundamente ainda outra vez, começou de repente, a ouvir um tilintar muito fraquinho, que parecia estar ao mesmo tempo sobre ele, e bem longe, lá em cima.


A princípio, não tinha certeza de estar mesmo ouvindo aquilo; o som parecia vir de milhões e milhões de quilômetros de distância. Aí, foi ficando mais forte. Era como se fossem bolinhas borbulhando numa cachoeira, ou papel celofane sendo amassado. Mas não era exatamente igual a nenhuma dessas coisas. Era um som muito mais rico, como toda uma orquestra de minúsculos instrumentos, que ninguém jamais houvesse descoberto.


Eduardo ficou muito tempo ouvindo atentamente. Às vezes parecia vir de muito longe, outras, bem de dentro de sua cabeça, e algumas outras, de ambos os lugares ao mesmo tempo. Como um milhão de sininhos muito pequenos soando como violinos, faiscando e balançando... faiscando e balançando.... faiscando e balançando...


Quando Eduardo acordou pela manhã, estava tão ansioso para ir à escola e contar à professora Simone o que havia ouvido que, tomou apressadamente o café da manhã e correu a metade do caminho, o que na verdade não era preciso, pois ele sabia que tinha muito tempo.

Mas de repente, um pensamento perturbador lhe veio à cabeça. Ele havia ouvido o som muito bem, mas como descrevê-lo para os colegas? Não poderia tocá-lo ou cantá-lo, ou ao menos não com muita precisão. Isso o preocupou tanto que, quando chegou à escola, já estava com medo da hora em que Simone pediria para contar à classe se havia conseguido ouvir o som e descrevê-lo.


Mas, quando chegou a hora da aula de música, Simone fez a pergunta para a classe toda: “Quantos de vocês encontraram um LUGAR DE OUVIR e conseguiram escutar os sons mágicos que procuravam?”.


Eduardo ficou surpreso ao ver que muitos de seus colegas haviam encontrado o LUGAR DE OUVIR.


_ “E quantos de vocês ouviram o som das estrelas banhando-se n’água?”.


Provavelmente, metade da classe, pelo menos. Então Simone deu a cada um uma folha de papel e lápis de cera colorido e pediu que desenhassem os sons mágicos que haviam ouvido. Os desenhos eram os mais inusitados que se poderia imaginar.


Quando alguém olhar para eles (mesmo que não ouça o som das estrelas banhando-se n´água) saberá que foi a mais extraordinária música que alguém jamais poderia querer ouvir. Mais surpreendente que flautas, clarinetas e violinos.

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[1] Nome de origem hebraica que significa: aquela que ouve.

Referência

SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Tradução de Marisa Trench de O. Fonterrada, et al. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.

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Um comentário:

nininha rodrigues disse...

ja li esse livro e recomendo todos de shaffer...ele inspira aprender musica com a natureza....