Memórias de quem não esteve por lá
Por Thaís de Sá Fravoline
Laje do Muriaé, que nome mais engraçado não acha? Este é o nome da minha cidade. Uma pequena e pacata cidade do interior. Com, com pessoas comuns, e histórias muitas vezes bizarras, eu diria. Apesar do que os meus poucos anos permitem, posso levar vocês a um passeio, direto do túnel do tempo...Laje... Ponto de Encontro nos fins de semana, seja onde for: no Obelisco, na ponte, brincar de pique esconde, sem ter com o que se preocupar..Laje... Que guarda segredos dos casais apaixonados, segredo do escurinho do cinema, segredo que nem mesmo as velhas fofoqueiras seriam capazes de revelar. Amizades sinceras, cúmplices eu diria até para irem à festa tinham que fazer o que a mamãe queria, antes de ir deixava-se a casa brilhando, o bule cantando, fazia-se cara de “santa”, mimava-se a mamãe, que aos poucos se conformava que seu bebê ia crescendo e não tinha mais como um passarinho jovem segurar. Horários rígidos para chegar em casa, obediência e devoção, essa era uma relação que hoje em dia não existe mais.E quando se reuniam para contar aquelas histórias? Quem não sabendo Bastos Seco, aquele velho diabo que foi morto, quantas vezes nem sei. O jogaram no rio, o velho boiou, tocaram fogo, o velho ressuscitou. O jeito foi enterrá-lo na igreja, e nem o diabo pôde com tanta esperteza. A cachoeira se falassse... Diria: - Que saudade de quando os lajenses vinham para cá! Dias gostosos... Menos no domingo, que era dia de na casa da vovó a família se juntar. Ainda sinto pena do escravo que foi arrastado pelo seu senhor, a quem ele ousou desonrar. Hoje quando passo em frente ao seu altar, sinto o meu corpo arrepiar. “Morro do Arrastado”... Uma cruz, nesse lugar, hoje está. Velho coitado, sua rebeldia teve que pagar...Falando em rebeldia, chegamos a uma conclusão: não se fazem mais jovens como antigamente não, não se fazem mais heróis...Eles eram o que ouviam, tinham consciência do lugar em que viviam.Legião, Engenheiros, Titãs embalavam a multidão com perguntas e questionamentos nunca aceitavam um não, sem antes perguntar o porquê, sem antes ter uma explicação.As visitas na torre, não podiam faltar. Lá eles brincavam, mas hoje em dia é propriedade particular. Bolas de gude, queimada, corda, bonecas de milho, carrinhos de latão, hoje em dia esses brinquedos não existem mais não. A vida era tranqüila: sem ladrão com quem se preocupar, na varanda, de noite, a tranqüilidade de um calmo lugar. A pracinha era o lugar mais gostoso de visitar, voltas e mais voltas ao redor dela, coisa que nem mesmo o tempo pode apagar. O primeiro cigarro, a primeira bebida escondida, a adrenalina de quem uma regra não podia questionar, mas a rebeldia os levaram aquele ato impensado executar. Carnavais de belas fantasias, blocos e bastante folia, vinham o povo animar, já a Lira da Esperança vinha com belas canções, na madrugada, o povo acordar. Políticos menos espertos, menos corruptos talvez, nunca santos, mas mensalão naquela época não tinha vez. Lugar onde conhecia-se todos. Filha de fulano? Neta de ciclano? Conheço, sei, sei...Tempo em que os valores eram diferentes, você não era a roupa que vestia, e sim o som que ouvia, era os amigos com quem convivia.Duas escolas somente existiam nesse lugar, e além de tudo, uma delas era particular.E a cervejaria da cidade? Não me lembro, não sei, mas pelas histórias que me contam, a rebeldia lá também teve sua vez, com a Noite das Garrafadas quebraram todo o lugar, mais um ato de quem queria por seus direitos lutar. E quem nunca ouviu falar da “Cobra de duas cabeças”, que nos dias mais quentes engolia gente que na sua propriedade ia se instalar. A velha torre, essa sim tem histórias pra contar...Lugar de bêbados e mendigos amigos, bem vindos eu sei. A velha “Colombina” com roupas se embelezava sempre, humildade até para pedir esmolas: “- Me dá umas pratinhas pra linha comprar, tenho muitas roupas pra costurar”.Enchentes... Até que era divertido, as pessoas aproveitavam a piscina natural para se banhar, os churrascos, nessas ocasiões, nunca podiam faltar. Independente da classe ou cor, os jovens tinham uma cultura a honrar, pois a escola de música eles tinham que freqüentar, não por obrigação, mas por uma vontade que vinha do coração.O prefeito “Pé de Chinelo” mostrou que na prefeitura tinha o seu lugar, mostrou ao povo sua humildade, humildade de quem realmente soube governar.Fica até bem difícil com os dias de hoje comparar, as coisas se perdem quando os anos nas nossas costas vêm pesar.A nostalgia minha mãe sente quando as histórias vem me contar, de coisas tão maravilhosas que viveu e ouviu nesse lugar.
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